COMBATE AO LIXO NO MAR E SOLUÇÕES SUSTENTÁVEIS

Um marco importante para a saúde dos oceanos foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) no dia 2 de outubro de 2025: a “Estratégia Nacional do Oceano sem Plástico”. Implementar a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS/2010) e estimular a Economia Circular é a melhor forma de proteger os ecossistemas costeiros e marinhos, hoje ameaçados pela crescente poluição plástica. No entanto, fomos surpreendidos com propostas de empresas que buscam apoio do governo para licenciar projetos milionários de alto impacto para o futuro do Brasil.

Uma reportagem da GloboNews (06/09/2025) sobre a “Recuperação Energética de Resíduos no Brasil” gerou forte reação de grupos de especialistas acadêmicos, técnicos e sociedade civil. Uma Nota Técnica (NT) foi elaborada contestando os argumentos apresentados, destacando as limitações técnicas, econômicas, sociais e ambientais dessa alternativa.

Análise do Projeto de Lei 3311/2025 (MetanoZero) e a Hierarquia da PNRS

O Projeto de Lei (PL) 3311/2025, de autoria do senador Fernando Dueire (PMDB-PB), propõe um marco regulatório para viabilizar as usinas de recuperação energética (UREs) sob a justificativa de combate às emissões de metano, buscando que essa alternativa se torne uma opção preferencial à disposição em aterros.

O PL ignora a hierarquia estabelecida pela PNRS, que prioriza não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos orgânicos, antes da disposição final. Ao incentivar a incineração, o projeto desvia o foco da valorização material e estimula uma solução de alto custo, que exige subsídios e contratos de longo prazo.

Além disso, a criação de programas por meio de Projetos de Lei isolados transforma o planejamento nacional em uma “colcha de retalhos”. A PNRS exige que o Plano seja elaborado com Controle Social — o debate com a sociedade, e não apenas acordos com parlamentares.

É importante ressaltar que aterros sanitários licenciados não deveriam emitir metano em larga escala. O licenciamento ambiental já exige a coleta e queima do biogás, e uma proposta mais coerente seria a alteração da Lei nº 6.938/81 para obrigar a geração de energia em aterros, em vez de investir em soluções mais caras.

Inviabilidade no Contexto Brasileiro

A composição dos resíduos sólidos urbanos (RSU) no Brasil demonstra a inviabilidade da incineração: ~50% é matéria orgânica (baixo poder calorífico e alto teor de umidade, ideal para compostagem ou biodigestão) e ~33% são recicláveis secos.  Para viabilizar a incineração, seria necessário queimar o que deveria ser reciclado, desrespeitando a própria PNRS.

No Brasil, onde a reciclagem ainda não alcança sequer 5% do total coletado, estimular a incineração gerará um efeito perverso: retira materiais recicláveis da cadeia, fragiliza o mercado de reciclados e compromete a inclusão socioeconômica de milhares de catadores.

A viabilidade econômica de uma planta de incineração é frágil, exigindo subsídios para cobrir altos custos operacionais e de investimento, além de gerar poluentes e cinzas tóxicas.

Síntese dos Argumentos e Condições para as UREs no Brasil

A análise técnica demonstra a inviabilidade das Usinas para Recuperação Energética a partir de RSU (UREs) como solução central para o Brasil:

A defesa das UREs pela ABREN ignora um fato crucial: o Brasil já possui uma matriz energética limpa e de baixo custo, diferentemente de nações como China, Japão e Alemanha, que dependem de combustíveis fósseis de alto custo. O investimento em UREs é, em média, sete vezes mais caro do que a energia solar no Brasil. Não faz sentido o Brasil comprometer seu setor elétrico com uma solução rígida e subsidiada que o mundo desenvolvido já busca abandonar.

A incoerência se aprofunda ao considerar o custo social e legal. O modelo da incineração exige grandes subsídios e, pior, desrespeita a PNRS, pois seria inviável economicamente sem a queima de materiais que deveriam ser reciclados.

Por isso, a recuperação energética no Brasil, VIA UREs só pode ser considerada, estritamente, como uma complementação. Sua instalação deve ser rigorosamente condicionada a etapas fundamentais: após o país atingir um alto índice de reciclagem e o tratamento integral da fração orgânica. Além disso, sua aplicação deve se restringir a locais de alta concentração demográfica, utilizando exclusivamente os rejeitos** que não podem ser reciclados.

Conclusão e Recomendação

A conclusão da NT demonstra com dados imbatíveis que, no contexto brasileiro, a hierarquia da PNRS deve orientar a gestão: privilegiar a não geração, redução, reutilização, reciclagem e compostagem. A recuperação energética deverá ser feita apenas para a fração de rejeitos. Portanto, a reciclagem e a compostagem devem ser a prioridade nacional por seu menor custo, maior geração de empregos e benefícios ambientais. A recuperação energética não deve ser vista como solução central, mas como alternativa restrita e complementar, aplicável somente em contextos metropolitanos específicos.

Reafirmar a hierarquia da PNRS como fundamento das políticas públicas de resíduos sólidos no Brasil, fortalecendo a inclusão dos catadores, a redução da fabricação e da utilização de plásticos descartáveis e a valorização material dos resíduos. Além disso, recomenda-se que o Projeto de Lei 3311/2025 seja reprovado, e que as alternativas de recuperação energética sejam estudadas dentro do escopo do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, sob o risco de que o Plano se torne uma “colcha de retalhos”. O controle social é feito pela sociedade diretamente, e não por acordos no parlamento, como determina a Lei 12.305/10.

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Referências e Instituições Signatárias

1.  Lei 12.305/2010:** Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

2.  MMA: Informações do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima sobre a composição média dos Resíduos Sólidos Urbanos.

3.  EPE – Empresa de Pesquisa Energética:** Caderno de Custos Geração e Transmissão\_PDE2034\_2024.09.06.pdf – Disponível em: `https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-804/topico-709/Caderno%20de%20Custos%20Gera%C3%A7%C3%A3o%20e%20Transmiss%C3%A3o_PDE2034_2024.09.06.pdf`

35 Instituições assinam a Nota Técnica:

Associação Brasileira de Combate ao Lixo no Mar – ABLM; Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES/DF; Instituto Recicleiros; Instituto CATAPOP; Movimento Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais recicláveis – MNCR; Instituto SUSTENTAR Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em Sustentabilidade; Observatório da PNRS (OPNRS); Toxisphera; Projeto Hospitais Saudáveis; Oceana Brasil; Núcleo de Caracterização de Materiais da UNISiNos; Instituto Nenuca De Desenvolvimento Sustentável – INSEA; Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES/PA; Pimp my Carroça ; Instituto Polis; Aliança Resíduo Zero Brasil- ARZB; Observatório da Reciclagem Inclusiva – ORIS; Câmara Temática de Resíduos Sólidos- ABES/MG; Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES/MG; Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES/RN; Instituto 5 Elementos de Educação para a Sustentabilidade; Rede Resíduos; Instituto BVRio; Núcleo de Gestao Urbana e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ; Núcleo Alter-Nativas de Produção da UFMG; Instituto ATEMIS Brasil ; Fundação Avina; Frente Brasileira de Alternativas à Incineração; Fórum Lixo e Cidadania – Região Metropolitana de Campinas; Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES/RS; Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES/PB; Fórum Lixo e Cidadania – Minas Gerais; Programa de Pós-graduação em Engenharia de Biossistemas – Escola de Engenharia – UFF; Coordenação de Inovação e Tecnologias Sociais – Agência de Inovação (AGIR) – UFF; Programa de Pós-graduação em Engenharia de Biossistemas – Escola de Engenharia – UFF.

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