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O lixo no mar e os riscos ecossistêmicos.

“Sem oceano, sem vida. Sem azul, sem verde, sem nós.“  

A vida no planeta azul evoluiu a partir d’água. Dois terços da superfície do nosso planeta está coberta por oceanos. Aprendemos na escola que existem três oceanos: Pacífico, Atlântico e Índico. Como todos estão conectados podemos considerar um só oceano planetário. Sua importância para a biosfera e o bem-estar humano é inquestionável. Oceano e terra compartilham complexas trocas físico-químicas e biológicas que modelam o clima e os serviços ecossistêmicos fundamentais para a vida.  

Segundo as Nações Unidas entorno de 3 bilhões de pessoas dependem direta ou indiretamente dos ambientes costeiros e da biodiversidade marinha. Contudo, a maioria das pessoas desconhece as complexas relações que interligam seus estilos de vida, os fatores responsáveis pela saúde do oceano e o uso sustentável dos recursos marinhos. Compreender estas relações, nos ajuda a entender a urgência de agir no sentido de contribuir para minimizar os impactos que tendem a devastar de forma irreversível o equilíbrio da biosfera e da vida tal como a conhecemos. 

Os impactos antropogênicos que causam danos socioambientais em todo o mundo resultam das formas de produção e dos comportamentos de consumo. Apesar dos esforços de cientistas e sociedade civil para alertar sobre os riscos das ações humanas sobre os recursos naturais, os danos que afetam a qualidade dos serviços ecossistêmicos oceânicos continuam aumentando.

Você sabe o que são os serviços ecossistêmicos?

Em 1973 o botânico Walter Westman escreveu um artigo para a Science com o título “Qual o valor da Natureza?” O autor propôs o conceito de benefícios ecossistêmicos com o objetivo de sensibilizar a população sobre a necessidade de proteger a biodiversidade. O termo “serviços ecossistêmicos” (SE) foi cunhado em 1981 por Paul e Anne Ehrlich, da Universidade de Stanford. Desde então o conceito, enquanto ferramenta para gestão, vêm sendo modificado em função das diferentes visões sobres as estratégias de manejo dos recursos naturais. 

A ideia básica do conceito de SE é medir o impacto das pressões antropogênicas sobre a saúde dos ecossistemas e sua capacidade de prestar serviços aos seres humanos. As abordagens atuais avaliam os produtos e benefícios produzidos por cada ecossistema considerando as variáveis ecológicas e econômicas. Essa análise teria como objetivo minimizar os danos através de estratégias de gestão para o uso sustentável dos recursos naturais. Existem diferentes tipologias que designam os serviços (SE) oferecidos. Na proposta “A Economia dos Ecossistemas e Biodiversidade” as categorias dos serviços ecossistêmicos são:

  • Serviços de provisão: alimentos, energia, matérias primas, recursos medicinais, água fresca; 
  • Serviços de suporte: ciclagem de nutrientes, fotossíntese, formação do solo;
  • Serviços regulatórios: ciclos hídricos, clima; qualidade do ar, prevenção de erosão, purificação de águas residuais, moderação de eventos climáticos extremos; polinização; controle de doenças;
  • Serviços culturais: ecoturismo, recreação, saúde física e mental; valores estéticos, práticas religiosas e espirituais.

Apesar da proposta do conceito SE, o uso sustentável dos ecossistemas naturais tem se mostrado ineficaz. Ao longo de quase quatro décadas, os impactos negativos aumentaram no mundo todo. As notícias são alarmantes em todas as mídias e artigos científicos.

O aumento da concentração dos gases de efeito de estufa na atmosfera gera a acidificação oceânica provocando o branqueamento e a morte de vastas áreas de recifes de corais: em algumas áreas da Grande Barreira de Corais da Austrália registrou-se a morte de até 50% de seus corais. Os ecossistemas coralíneos tropicais cobrem apenas 1% do oceano, mas abrigam a maior biodiversidade do planeta azul e sustentam um quarto de todas as espécies marinhas. Entre seus serviços ecossistêmicos estão: o equilíbrio das comunidades marinhas incluindo espécies de interesse para a indústria pesqueira; atividades turísticas e farmacologia marinha – com registros de mais de 200 produtos – no estágio de avaliação pré-clínica – com diferentes  atividades terapêuticas:  antibacteriana, antituberculose, antifúngica, antiprotozoária, e antiviral. 

No rastro da devastação dos ambientes costeiros e oceânicos, além dos poluentes, como petróleo e gás, há também a questão do lixo – resíduos sólidos e químicos – que quando é descartado de forma incorreta se torna uma ameaça para os ecossistemas marinhos. Estes resíduos têm diversas origens e composição: água de lastro, resíduos de alimentos, esterco, material de embalagens, produtos de limpeza, bitucas de cigarros etc. que ao serem depositados (ou descartados) nos ambientes marinhos ocasionam danos que são cumulativos e podem se tornar irremediáveis. 

Lixo marinho é definido como “qualquer material sólido persistente, fabricado ou processado, descartado ou abandonado no ambiente marinho e costeiro” (UNEP 2009).  Diversos estudos de monitoramento e avaliação dos resíduos encontrados em ambientes costeiros e marinhos, revelam que a maior proporção do lixo marinho é composta por plásticos, sendo mais de 90% oriunda dos continentes. Análises realizadas nas colunas d’água, gelo ou sedimentos, revelaram a presença de diferentes tipos de plásticos em todos os continentes. Anualmente, o mundo despeja o equivalente a um caminhão de lixo de plástico no oceano a cada minuto. 

De acordo com a Plastic Europe (2019) a produção de plásticos no mundo alcançou 359 milhões de toneladas anuais. Estima-se  que entre 1950 e 2015 foram produzidos 8,3 bilhões de toneladas de plásticos –  71% desse total são produtos de uso único e apenas 9% de todo o plástico produzido nesse período foi reciclado. Em 2015 a fabricação de embalagens e itens descartáveis, que tornam-se lixo imediatamente, respondeu por cerca de 36% do plástico produzido no mundo. Hoje, aproximadamente 9 milhões de toneladas de resíduos chegam ao oceano anualmente devastando habitats e matando milhões de espécimes de animais. Diversas reportagens registram a mortandade da megafauna por ingestão de plástico ou enforcamento por petrechos de pesca. 

Além dos resíduos plásticos visíveis – macroplásticos, existe a fração invisível –  microplásticos (partículas < 5 mm) para os quais ainda não existem métodos de remediação. A gravidade da poluição por microplásticos ainda é pouco compreendida, mas sua presença já foi registrada por todo o oceano: do Ártico à Antártica, na coluna d’água, no fundo oceânico e em toda a cadeia trófica. 

Existe uma grande preocupação com os efeitos dos microplásticos nos seres vivos. Estudos apontaram a sua ingestão por zooplânctons – minúsculos organismos aquáticos que formam importante elo da cadeia trófica. Por serem microscópicos, são ingeridos em grandes quantidades pelos organismos maiores e que, por isto, acabam por acumular essas micropartículas de plástico presentes no zooplâncton, num processo denominado de bioacumulação (aumento da concentração de uma substância nos tecidos dos organismos). Esse mecanismo pode resultar em elevados níveis dessas moléculas nas espécies de interesse comercial. Partículas como os pellets (pequenas pérolas) de plástico virgem, já foram encontradas em espécies do topo da cadeia alimentar como os golfinhos, o que pode causar o bloqueio das vias gastrointestinais levando ao óbito. 

Existem ainda muitas lacunas no conhecimento sobre os riscos associados à ingestão desses microplásticos pelos seres humanos, mas algumas pesquisas registram o potencial dos polímeros plásticos se ligarem aos poluentes orgânicos: por exemplo, às moléculas de bifenilas policloradas (PCBs) – empregadas como aditivos na formulação de plastificantes, tintas, adesivos e pesticidas. Estudos toxicológicos realizados em cobaias demonstraram que certos tipos de PCBs, quando acumulados nos tecidos podem alterar funções reprodutivas dos organismos, causar distúrbios na maturação sexual e efeitos teratogênicos (má formação do feto). Assim, a bioacumulação dessas e outras moléculas tóxicas pode se propagar e concentrar essas toxinas ao longo de toda a cadeia trófica afetando todas as espécies, incluindo nós, os seres humanos. 

De acordo com o Mapa do Lixo Plástico, o Brasil é o 4º maior gerador de resíduos plásticos do mundo, produz cerca  de 11 milhões de toneladas de lixo plástico por ano e segundo os dados do banco Mundial, recicla apenas 1,28%. A grande maioria desses resíduos é descartada em lixões, alcança os corpos d’água e uma parte significativa acaba nas áreas costeiras sendo transportada pelas correntezas para todos os ecossistemas marinhos. 

A costa brasileira possui mais de 8.000 km, e ao longo dela são encontrados diversos ecossistemas de alto índice de biodiversidade, alguns são únicos no Atlântico Sul. Algumas das nossas paisagens possuem belezas cênicas incomparáveis, que podem alavancar serviços de ecoturismo garantindo milhões de empregos. Devemos refletir sobre os nossos hábitos de consumo, sobre o mar que queremos e o oceano que precisamos. Cada um de nós pode contribuir de alguma forma: revendo hábitos de consumo, se engajando em ações que façam a diferença, participando da construção das políticas públicas. É vital buscar soluções que caminhem junto com os objetivos de uma economia azul sustentável. Todos juntos pela cultura oceânica e por um oceano saudável!

Redação: Marlise Araújo

Revisão: Andrea Portugal & Vanessa F. Guimarães

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