Brasil é mau exemplo no combate à poluição por plástico

Mar de Lixo Plástico (foto: Márcia Foletto)

ONU estima que até 12 milhões de toneladas do material entram no mar todos os anos.

Renato Grandelle, O Globo, 11/01/2020

RIO – Da escova de dente aos pneus, passando pelo sapato e o filtro do cigarro, o plástico é um material onipresente em nossas vidas — e, considerando a forma como o consumimos, isso não é um bom sinal. A mais nova tentativa de reduzir sua presença em nosso cotidiano começa na próxima quarta-feira, quando os supermercados do estado do Rio, onde já havia um limite de duas sacolas plásticas gratuitas por cliente, não serão mais obrigados a oferecer nem isso.

Cerca de 6% do consumo global de combustível fóssil é destinado atualmente à fabricação de plástico, e este índice pode chegar a 20% até 2050, segundo a Agência Internacional de Energia. Trata-se, portanto, de um artigo que contribui para a emissão de gases estufa. Muitas vezes é descartado depois de ser usado apenas uma vez, sem passar por um processo de reciclagem.

O Brasil serve de mau exemplo na área. É o quarto país com maior produção de plástico – 11,3 milhões de toneladas anuais, atrás apenas de EUA, China e Índia, e recicla somente 1,23% do material, de acordo com levantamento da ONG WWF. A média mundial é de 9%.

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Faltam políticas públicas eficientes para reciclagem e engajamento da sociedade. Muitas pessoas não separam os resíduos em suas casas – lamenta Glaucia Olivatto, pesquisadora do Departamento de Química e Meio Ambiente da USP. “O plástico não precisa ser totalmente eliminado. É usado com sucesso no setor hospitalar e na embalagem de alimentos, mas precisamos cobrar da indústria materiais cuja produção tenha baixo impacto ambiental.”

O país também esteve entre os seis Estados-membros da ONU que, no ano passado, não assinaram um acordo global para limitar a produção de plástico de uso único, uma medida que poderia incentivar pesquisas científicas que desenvolveriam alternativas ao material, além de novas técnicas de reciclagem. A medida foi aprovada por 187 nações. Procurado pelo GLOBO, o Ministério do Meio Ambiente não justificou o veto brasileiro.

Na falta de um tratamento industrial adequado para o plástico, o mar transforma-se em lixeira. Uma pesquisa realizada pela PUC-Rio no ano passado mostrou que a Baía de Guanabara é uma das regiões do mundo com maior concentração de microplásticos — as partículas inferiores a 0,5 milímetro. São 7,1 itens por metro cúbico, segundo amostras coletadas perto da Ilha do Fundão, do Museu do Amanhã e do Aeroporto Santos Dumont.

No mundo inteiro, a ONU estima que até 12 milhões de toneladas métricas de plástico entram no mar todos os anos. Uma marca da negligência mundial é a Grande Ilha de Lixo do Pacífico, um depósito de detritos no oceano entre a Califórnia e o Havaí. Neste território, que é três vezes maior do que a França, boiam cerca de 1,8 trilhão de peças de plástico.

A superfície do oceano não é o limite do material. Sacolas e embalagens de balas foram encontradas em uma expedição em maio na Fossa das Marianas, a 11 quilômetros de profundidade, também no Pacífico. Os microplásticos chegaram ainda ao Ártico, carregados por ventos e, depois, misturados à neve.

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Espécies sufocadas

O desastre ambiental repercute nas espécies marinhas. Um levantamento da Proteção Animal Mundial (WAP) estimou que os sacos plásticos no oceano matam cerca de 100 mil mamíferos por ano.

Alexander Turra, professor titular do Instituto Oceanográfico da USP, pesquisou resíduos plásticos que alcançam praias de São Paulo, Alagoas e Bahia. O biólogo observa que um dos danos mais comuns provocados pela poluição marinha é a ingestão de plástico por animais.

Os itens engolidos podem perfurar o sistema digestivo dos animais e fazer com que percam a capacidade de se alimentar. Também é comum encontrar espécies aprisionadas ou sufocadas por redes e linhas abandonadas no mar.

Turra, que também é responsável pela Cátedra Unesco para Sustentabilidade dos Oceanos, critica a desorganização do sistema de reciclagem de plástico — onde há, segundo ele, “muitos atores e muitos pontos de perda”.

Entre as medidas sugeridas pelo biólogo está o aumento de incentivos para a iniciativa privada administrar toda a trajetória percorrida pelo seu produto, da geração de seu design à gestão do resíduo.

“Um dos grandes gargalos na reciclagem é a falta da cadeia logística necessária para produzir uma economia circular” explica. “Hoje, temos uma cadeia que fabrica o plástico, outra que o transformará em um produto e que, dali, vai levá-lo à distribuidora, que é o mercado, chegando por fim ao consumidor. No entanto, não existe um caminho de volta estruturado. O material, depois de usado, não retorna à sua origem.”

Secretária-executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, Andrea Santos exaspera-se com o crescimento da indústria petroquímica, que vai na contramão dos compromissos globais pela redução da emissão de gases de efeito estufa.

“Temos nanoplásticos nos ecossistemas, que são ainda menores do que as micropartículas” adverte Andrea, que também é professora da Coppe/UFRJ. “Podem penetrar em tecidos e órgãos de nosso corpo e provocar efeitos toxicológicos que afetam nossa saúde, como desordens comportamentais e alimentares e inibição do crescimento.”

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